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Bissexuais existem!

Atualizado: 27 de jun. de 2018

Hoje, dia 23 de setembro, é o dia do orgulho bissexual, por isso decidir escrever esse texto com algumas considerações sobre a visibilidade bissexual. Não é novidade para ninguém que a importância de ter um dia específico vem da necessidade de uma maior visibilidade, pois mesmo em movimentos LGBTIs, essa questão ainda é pouco levantada. Antes de abordar a questão em si, gostaria de compartilhar rapidamente com vocês uma parte da minha história.

Eu sou bissexual, ou pelo menos é a identificação que uso para simplificar as coisas (não podemos negar que as categorias facitilitam a comunicação - e é aí também que está armadilha). Isso quer dizer que me sinto atraída, sinto desejo, não apenas pelo dito sexo oposto. Já tive relacionamentos, alguns duradouros e outros nem tanto, com homens e mulheres. Atualmente, estou num relacionamento classificado como heterossexual, porém isso não significa que o que me atraiu anteriormente foi apenas uma fase, quer dizer poderia até ser, mas isso depende do que estamos chamando de fase, já que as pessoas podem sentir desejos específicos e depois não mais, assim como uma hora podemos sentir tesão em alguém e depois não. Mesmo que eu nunca mais me interesse por uma mulher, não me sinto enquadradrada dentro da heterosexualidade, principalmente porque a questão do interesse depende de muito mais fatores. O fato é que percebo que sou capaz de me sentir atraída e sinto desejo tanto por homens quanto por mulheres (além daquelas pessoas que não se enquadram nessas noções binárias).

Quando me identifico dessa maneira as reações normais são (muita gente já conhece): "mas você tem de decidir", "isso vai passar", "nossa, é o sonho de todo homem namorar uma menina bissexual", "você tem mais chances de trair", "isso é promiscuidade", e a lista de frases e reprovações não é exaustiva. Bem, agora vamos pensar, por que precisam que eu, e todxs as pessoas bissexuais "decidam"? Por que precisam que passe? Aí percebemos o quão ainda é difícil para as pessoas aceitarem comportamentos, decisões e identidades que não estão dentro do paradigma heteronormativo. As pessoas que exercem sua sexualidade de forma mais livre apresentam uma espécie de ameaça, pois desestabilizam tudo aquilo que aprendemos como natural, mas que na verdade foi naturalizado dentro da inteligibilidade cultural.

Para a afimação de que a minha bissexualidade agrada aos homens, que muitas vezes se pretende um elogio, a resposta já grita: o que eu sou e/ou o meu desejo não concerne ao que os homens ou qualquer outra pessoa quer. Porém, ainda acham que o que uma mulher faz, ou ao menos deve fazer, está sempre relacionado com a vontade dos homens, principalmente no que diz respeito ao desejo, pois a sexualidade é tida como presumivelmente masculina. Quanto as duas últimas afirmações expostas acima, está claro o quanto são arbitrárias posto que traição, ir contra o combinado que se tem com alguém, é uma questão de caráter e não depende da quantidade possível de pessoas existentes no mundo que podem te interessar, e a definição de "promiscuidade" foi cunhada por uma moral que domina os nossos corpos sob a ilusão de vários preceitos. A bissexualidade, ou qualquer outra forma de sexualidade, não leva invariavelmente à promiscuidade, mas se levar, não sou eu que vou me opor, tão pouco qualquer outra pessoa deveria.

Para pensarmos a bissexualidade, e as sexualidades, temos de pensar a ordem compulsória de sexo/gênero/desejo, que enquadra os indivíduos de um determinado sexo e gênero e que sentem desejo pelo sexo oposto como no centro da matriz heterossexual. Esse é o comportamento tido como normal, que pertence a norma, caracterizados pelo homem com pênis que se interessa por mulheres com vagina e a mulher com vagina que se intessa por homens com pênis. Não só normal, aprendemos que isso é natural, como se existisse algo anterior à cultura, e por conseguinte à lei, que determinasse a heterosexualidade, de modo que outras formas de desejo e de identificação pertenceriam à anormalidade e iriam contra o natural. Dessa forma, as pessoas que não se enquandram nesse dito natural, como no caso da bissexualidade, não estão fora da cultura, porém são recusadas e invisibilizadas pois "o que permanece 'impensável' e 'indizível' nos termos de uma forma cultural existente não é necessariamente o que é excluído da matriz de inteligibilidade presente no interior dessa forma; ao contrário, o marginalizado, e o não o excluído, é que é a possibilidade causadora de medo ou, no mínimo, de perda de sanções" (BUTLER, 2015, p. 138-139).

A bissexualidade desafia os moldes considerados sólidos e intransponíveis da cultura, colocando em questão a noção heteronormativa, e também patriarcal, de que o desejo deve ser imutável e uma consequência do sexo e do gênero. Como mesmo que fora da cultura dominante, continua-se dentro da cultura, essa sexualidade que se aproxima mais da fluidez é negada não só nos contextos heterossexuais, mas também naqueles homossexuais. Afirma-se que pessoas bissexuais não existem, mas elas existem (eu existo!); afirma-se que homens bissexuais são gays; afirma-se que as mulheres bissexuais são hétero e/ou só querem aparecer, o que é de um falocentrismo absurdo, posto que além de mais uma vez negar-se às mulheres o seu desejo é mais um exemplo da reprodução de que não há prazer sem o falo, como no caso das mulheres lésbicas; afirma-se que as pessoas heterossexuais têm de "escolher um lado", já que no paradigma binário só haveria dois lados.... E por aí vai as afirmativas que tentam nos apagar, é por isso que o dia de hoje se faz tão importante. Nós, bissexuais, existimos.


BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2015.


*Por Isadora de Araújo Pontes, mestranda em literatura e militante do Coletivo Maria Maria, Núcleo da MMM em JF



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